Em 1987, quando o cientista político britânico David Held publicou seu livro “Modelos de Democracia”, que se tornou uma importante obra de consulta sobre o tema em todo o mundo, ele escreveu que “a democracia parece emprestar uma “aura de legitimidade” à vida política moderna: regras, leis, políticas e decisões parecem justificadas e apropriadas quando são “democráticas””.
Essa forma de governo, embora não seja perfeita, parece ser o que mais se aproxima de um modelo de administração ideal e justo. Não à toa, instituições, órgãos e empresas vêm emprestando dos ideais democráticos algumas noções e filosofias que podem ser aplicadas também às rotinas corporativas ou aos seus perfis de liderança.
Empresas não são cidades, estados nem países, que precisam ser governados visando o bem-estar e a estabilidade da população de maneira geral. Cada companhia tem seu propósito e sua visão de mundo, mas, cada vez mais, gestores de companhias das mais diversas áreas vêm percebendo que a tal “aura de legitimidade” que ganham as decisões tomadas em coletivo contribuem para o bom clima organizacional que é o combustível para o funcionamento de uma organização, ainda que na iniciativa privada.
Deliberação e conversações
Uma atualização dos modelos escritos por Held nos anos 80 que mais se aplica ao contexto organizacional diz respeito a um conceito estudado pelos pesquisadores do campo da Comunicação Política e que vem sendo chamado de “democracia comunicativa”. Enquanto na democracia participativa, as decisões são tomadas a partir do voto, a democracia comunicativa funciona tendo como base a deliberação.
O modelo que pauta essa forma de pensar a democracia se constrói da seguinte maneira:
[conversações informais > deliberações institucionais > tomada de decisões]
Partindo do princípio de que todas as pessoas, independentemente da sua posição social ou lugar de fala, têm o mesmo direito de acesso à “tribuna”, todos podem opinar. A partir da escuta de todos os pontos de vista, delibera-se. E só assim, tendo as opiniões de todos na mesa, é que se toma uma decisão.
No caso dos governos, a democracia comunicativa inclui, por exemplo, discussões que agregam representantes eleitos e aqueles que representam a sociedade civil – ONGs e associações, por exemplo. Mas o contexto de administração de uma empresa pode crescer muito levando em consideração esse modelo de trabalho.
É nas conversas informais que os indivíduos desabafam sobre questões da rotina que se impõem como obstáculos, problemas, dificuldades, mas também comemoram mudanças que foram positivas e manifestam sugestões que poderiam contribuir com a otimização de processos.
Quando a gestão é vertical, raramente essas demandas e sugestões saem dos corredores para chegar à sala de reuniões. A única maneira de abrir a porta para o que se discute informalmente no ambiente corporativo é garantir uma escuta ativa, com lideranças abertas a ouvir e considerar as sugestões. Certamente, nem todas poderão ser viáveis e poderão ser acatadas. Mas, assim como na democracia comunicativa, o modelo de funcionamento é somente normativo – ou seja, um ideal a ser buscado – nas companhias ele pode ter esse mesmo sentido.
O objetivo é ouvir, discutir, incorporar o máximo de sugestões possível para, assim, chegar a decisões que sejam benéficas de maneira igualitária. Essa escuta deve começar pelo C-Level, caso contrário, será sempre barrada na porta. Um CEO democrático não é aquele que acata todas as sugestões dos funcionários, mas aquele que as escuta e as considera, que constrói um clima organizacional no qual as pessoas de diferentes patamares de trabalho se sintam ao menos confortáveis para expor suas visões de mundo.
Nem sempre vai ser possível seguir o que vai ser melhor para todos, especialmente porque, em muitas situações, mesmo com transparência como filosofia, os colaboradores podem não ter acesso ao todo do planejamento estratégico que precisa guiar as decisões. Mas é preciso que ele saiba disso para evitar frustrações.
Práticas diárias de uma gestão democrática
Até que ponto é viável para executivos do C-Level praticarem uma liderança horizontalizada, inclusiva e democrática? Quais são as pequenas práticas rotineiras que permitem que isso aconteça e como aplicá-las?
O escritor e consultor Marcel Schwantes listou, em sua coluna no site INC.com, seis boas práticas que os CEOs podem implementar para se conectarem melhor com seus liderados.
As ações concretas que podem ser promovidas são encontros periódicos com grupos aleatórios de funcionários, fóruns ou audiências abertas entre CEO e colaboradores, ronda entre os setores para monitorar o andamento do trabalho e se mostrar presente e atento, política de portas abertas, formação de conselhos interdisciplinares de funcionários debruçados a propor soluções e manter arquivos – gravações das reuniões, por exemplo – das decisões tomadas, para compartilhar o processo com os os colaboradores.
Essas práticas, segundo Schwantes, são inclusivas e transparentes, tornando os líderes do nível C mais acessíveis a todos. Elas contribuem para que todos percebam o empenho do CEO em levá-los em consideração, mas também entendam melhor as particularidades da rotina do próprio líder.
Comunicação entre pessoas de diferentes setores, departamentos e patamares salariais são uma forma de complementar o trabalho das consultorias que auxiliam ou assessoram os executivos, ampliando assim sua chance de sucesso, num universo em que 61% dos CEOs se sentem despreparados para o tipo de desafio que acompanham essa posição.