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Recrutamento: eficácia x espiral da morte

Publicado em 08/05/2024

Recentemente fui convidado para dar uma palestra sobre eficácia no processo de recrutamento, o que me motivou a escrever este texto.

Recrutar não é difícil, ter assertividade sim. A seguir detalho alguns dos pontos cruciais no processo.

As empresas normalmente partem de um job description, que deve ser feito pela área de Pessoas em conjunto com a área demandante da empresa. Aqui, o primeiro ponto de atenção: o detalhamento adequado das atividades e responsabilidades da posição, os requisitos técnicos e conhecimentos específicos, bem como as características comportamentais desejadas no perfil. Tão importante quanto isso é a compreensão sobre o estilo de gestão e personalidade do(a) líder para quem a posição vai reportar. Por fim, mas não menos importante, detalhes sobre a cultura da empresa, valores, ritos e a forma como as pessoas se relacionam, discutem, tomam decisões, reconhecem uns aos outros (ou não) e produzem resultados.

Chamo isso de “a lente tríplice do recrutamento”: aspectos técnicos, comportamentais e culturais. Todos devem ser considerados em um processo de recrutamento bem feito. Vale lembrar que o tal “fit cultural” pode ser uma barreira para a diversidade, pois se buscamos perfis similares e que tem alto potencial de encaixe no time ou organização, corremos o risco de não trazer pessoas diferentes, que certamente podem agregar muito na evolução do pensamento, nas práticas e perspectivas, bem como na geração de resultados para as empresas.

Outro ponto de atenção diz respeito ao equilíbrio na equação “build x buy” no recrutamento.

O “build” é o processo de seleção de talentos internos, que pressupõe um olhar estratégico de médio prazo relacionado ao tema da sucessão. Que se conecta com avaliações de desempenho, gestão de feedback e assessments de potencial para novas posições. Ou seja, a empresa precisa investir na avaliação dos talentos internos para identificar os chamados “high potentials”, estabelecer seus PDIs (planos de desenvolvimento individuais) e acompanhar este processo de desenvolvimento. Para poder contar com o grau de prontidão adequado destes talentos quando novas oportunidades surgirem. E isso não acontece da noite para o dia… É preciso visão estratégica de médio prazo e investimentos de tempo e recursos. Bem como preparo das lideranças para este tipo de mindset, partindo do pressuposto que um bom líder tem seus potenciais sucessores identificados e apoiados. Isso não é papel somente do RH, mas das lideranças, do(a) CEO e do Conselho (quando falamos de posições estratégicas).

Já o “buy” é quando a empresa não tem talentos prontos na estrutura interna, precisa fazer uma substituição confidencial ou buscar novos talentos no mercado de trabalho. Assim nasce o olhar para fora, o mapeamento de perfis que precisam ser identificados e atraídos.

Tanto o processo “build” como o “buy” precisam de agentes externos e independentes. Precisam de técnica e de consultorias especializadas (aqui defendo minha própria causa!) que conhecem o processo, são idôneas e assertivas, com times de consultores com senioridade, sensibilidade e visão de negócios. O ponto principal aqui é a imparcialidade (ausência de vínculos ou conflitos de interesse), somada à experiência no atendimento a diversas outras empresas e realidades. E, claro, a confidencialidade (quando necessária). Além disso, a extensão de musculatura estratégica para o mapeamento de mercado nos casos de recrutamento externo, já que o RH tem inúmeros outros projetos na pauta e pode ter seus esforços pulverizados por outras demandas.

 

Outro ponto crucial no recrutamento: o histórico da posição e momento da empresa. Trata-se de uma substituição? Quanto tempo a pessoa anterior ficou na posição? Por que está saindo? Decisão própria ou do gestor? Quais os resultados atingidos até então? Qual o tipo de interação com o time (se for o caso) e com outras áreas? O que funcionou bem? O que não funcionou? Já mencionei o perfil do(a) líder como ponto crucial. Além disso, qual o momento da empresa? Crescimento acelerado, estabilização? Turnaround ou RJ? Movimentos dos concorrentes, situação do mercado/segmento? A empresa é familiar? Quais os valores da família? Os familiares atuam em funções executivas? Algum tema importante como um novo ERP, sucessão de gerações ou um processo de M&A? O ponto aqui não é criar uma lista completa, mas sim um mindset inquisitivo para compreender melhor o momento da posição, do perfil do líder e time, da área e empresa.

O que me leva a dois outros aspectos muito, muito relevantes: a tecnologia e os vieses.

Certamente a tecnologia tem um papel importante no aumento da produtividade e na aceleração dos processos, inclusive no recrutamento. Ferramentas como um bom ATS (Applicant Tracking Systems) auxiliam muito na construção de um banco de perfis, memória e organização dos processos de recrutamento. O uso da IA pode ajudar na padronização de análise de perfis e CVS, a triagem inicial, comparabilidade e gestão mais eficaz de processos com grande número de candidatos. Por outro lado, temos as armadilhas da desumanização nos processos de recrutamento e desafios para o tema da diversidade já que a padronização trazida pela tecnologia pode caminhar na direção contrária da seleção de perfis diversos. Na minha opinião, aqui vale o velho e sábio caminho do meio, que alia a organização e produtividade da tecnologia com a experiência e tempo dedicado de recrutadores especializados, com mentes, corações e olhos muito, muito humanos não para recrutar rápido, mas para fazer isso de forma correta.

Quando estive na SXSW em Austin em 2019 assisti a uma palestra dos criadores do Instagram (Kevin Systrom e o brasileiro Mike Krieger), que falavam sobre o processo de criação da empresa e venda para o Facebook (hoje Meta). Um tema trazido por eles ficou comigo até hoje: a espiral da morte do recrutamento, que é quando a empresa não dedica mais tempo suficiente para processos de recrutamento interno ou externo. Ou seja, é preciso investir tempo, ter etapas sequenciais e com pessoas diferentes entrevistando (o Google é uma referência nisso). Além da importância estratégia de uma boa contratação (basta pensar nas consequências de uma seleção errada), isso se conecta com o tema da diversidade (de olhares e percepções), que se traduz em chances maiores de êxito e resultados. E reduz as possibilidades da existência de vieses por parte de um único entrevistador. Exemplos: contratar pessoas parecidas comigo. Não contratar pessoas melhores do que eu. Buscar a confirmação nas respostas de uma entrevista sobre o que acho que a pessoa é ou será na posição. Entre tantos outros, cientificamente comprovados.

Termino com uma breve história: recentemente fizemos um projeto de um CFO no qual uma das finalistas era, na minha humilde opinião, a melhor candidata. Conversando com o CEO depois das entrevistas iniciais com todos os integrantes da short-list (via Zoom naquela etapa do processo), ouvimos com surpresa que a tal candidata não seguiria para a etapa final presencial. Questionamos as razões, provocamos e instigamos. Sem sucesso, pedimos para que eles tomassem um café presencial. Logo em seguida, recebo a mensagem do CEO: “sem dúvida, a melhor candidata. Obrigado por teimar e desafiar minhas percepções online”. Resumo: está na posição há quase um ano.

Não existem garantias de sucesso no recrutamento. Mas a atenção aos aspectos técnicos de metodologia e uma abordagem mais holística e humana pode fazer toda a diferença.

Escrito por André Caldeira