Lições importantes sobre escândalos corporativos.

Lições importantes sobre escândalos corporativos.

Estou lendo um livro duro e desafiador, mas com uma mensagem importante e verdadeira: “O contexto é mais forte do que a razão, e mais forte do que os valores das pessoas ou de uma empresa”.

Esta é uma das mensagens centrais de “The Dark Pattern – the Hidden dynamics of corporate scandals”, de Guido Palazzo e Ulrich Hoffrage, professores de Ética nos Negócios e Teoria de Decisões, respectivamente, na Universidade de Lausanne.

Os autores apontam, e respaldam cientificamente, que todos nós, como seres humanos, estamos envolvidos em contextos, que podem distorcer nossas percepções de realidade e criar um ambiente de cegueira ética.

Em alguns casos, em especial nas posições de liderança, uma causa pode estar na ilusão da superioridade, na qual as pessoas confundem sua identidade com a posição que estão ocupando.

Ou, também, no chamado “erro fundamental da atribuição”, no qual rapidamente julgamos os outros de acordo com nossas lentes (como maçãs podres, em muitos casos); ao mesmo tempo em que justificamos nossas próprias ações pelas circunstâncias e/ou situações nas quais nos encontramos. O caso clássico de “dois pesos e duas medidas”.

No entanto, os autores chamam igual atenção para a cultura das empresas, o jeito histórico de como as coisas são feitas, alertando para o fato que, em muitos casos, o  problema não está na maçã (podre), mas sim no barril…

Outro ponto que chamou minha atenção está no perigo do chamado “desengajamento moral”, termo cunhado pelo psicólogo Albert Bandura, como uma espécie de lente que gera a despersonalização do entorno, do outro ou daqueles afetados por nossas decisões. Associei este ponto ao termo “otherness”, citado por Jerry Colonna em seu livro “Reboot” (o outro como uma coisa, um alheio ou distinto de mim).

E o livro vai além na lista de atenuantes usuais e sistêmicos para práticas antiéticas e ampliação de escândalos corporativos: justificativas morais (que, a exemplo de torturas, implicariam na aceitação social), rotulação eufemista (uso de atenuantes na linguagem para diminuir a percepção de consequências), comparação vantajosa (pelo menos com isso fizemos aquilo…), desconsideração de consequências, deslocamento de responsabilidade (faço porque é minha função, ou porque me mandaram fazer…), difusão de responsabilidade (aqui as coisas acontecem desta forma…), culpar a vítima (ele ou ela merecia…), desumanização da vítima (aqui um soco no estômago ao lembrar que os nazistas chamavam os judeus de “ratos” ou, no caso do genocídio de Rwanda, os Hutus chamavam os Tutsi de “baratas”…).

Nas empresas, as justificativas podem estar, em grande parte, calcadas no MEDO. Medo de não estar à altura das expectativas do chefe ou da empresa, medo de ser apartado ou marginalizado pelos colegas, medo da pressão do tempo ou complexidade do trabalho, medo de não atingir as metas, medo de errar, medo de ser agredido, assediado, humilhado ou expulso do sistema.

Além do medo, um outro elemento recorrente surge no livro como causa central de escândalos: o EGO, ou peso da vaidade nos sistemas. Resgatando a fábula de Hans Christian Andersen, “As roupas novas do imperador”, os autores reforçam a ocorrência dos chamados contextos patológicos nas empresas. Que ocorrem porque as pessoas não questionam rotinas, opiniões e comportamentos dos outros. Seja porque acham que há algo de errado com suas próprias lentes pessoais de julgamento ou porque tem receio das consequências ao desafiarem os outros. Com isso, ninguém questiona figuras de autoridade, tudo para manter suas posições, sua dignidade, o reconhecimento dos outros, sua autoconfiança e seu espaço em um ambiente dominado pelo medo.

Junto com o medo e a vaidade, surge o ECO, pois a ação de um ator ou integrante do sistema se torna o contexto do próximo. Ecos reverberam e silenciam, justificam e sustentam decisões. Decisões estas que se tornam contextos…

Eis, então, um cenário de barris de maçãs potencialmente tóxicos, com elementos que vemos em muitas empresas: (a) medo de lideranças autoritárias, (b) receio dos impactos pelo fracasso com metas inatingíveis, (c) pressão pela conformidade no grupo, (d) incertezas por processos de avaliação ambíguos e (e) a ascensão de certos tipos distintos de comportamento, ao longo do tempo.

Ainda não cheguei na metade do livro, mas tudo o que relatei acima se soma à uma importante matriz de nove pilares que, de acordo com os autores, favorece a criação e disseminação do chamado “dark pattern” (padrão obscuro):

  1. Ideologia rígida – sistema de crenças baseado em perspectivas estreitas, baixa diversidade e senso crítico diminuído;
  2. Lideranças tóxicas – perfis de gestores narcisistas, maquiavélicos e psicopatas;
  3. Linguagem manipulativa – estilo de comunicação que impacta a percepção e avaliação de ações, influenciando julgamentos, decisões e comportamentos dos times;
  4. Metas que corrompem – objetivos irreais que distraem, criam conflitos e afetam o senso ético;
  5. Incentivos destrutivos – remuneração ou benefícios variáveis que fomentam a visão túnel e impactam o olhar sistêmico, favorecendo a competição insalubre e os conflitos;
  6. Regras ambíguas – geram áreas-cinza que fomentam confusão e o desengajamento moral, dando margem a justificativas e isenção de responsabilidades individuais;
  7. Percepção de injustiça – podem justificar atos não íntegros pela perspectiva de se buscar o “justo/certo”;
  8. Grupos perigosos – forçam as pessoas a aderir a normas, bem como criticar e até agredir membros “de fora”, com o consequente silenciamento dos demais participantes internos;
  9. “Encosta escorregadia” – ausência de consciência sobre o distanciamento do correto e do ético, pelo desvio gradual e sistêmico do grupo.

Para mim, trata-se de um conjunto de lições muito relevantes sobre o lado sombra da liderança e da governança. Um importante conjunto de referências para aprendermos a partir de conceitos reais e muito bem colocados, identificados em casos reais (e recentes em grandes empresas), que são exemplos importantes de barris infestados. Bem como do que não fazer, ou do que podemos (e devemos) prevenir.

 

Um artigo originalmente publicado por André Caldeira.

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