Sempre digo que, antes da pandemia, falávamos sobre o tal mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) sem entender, de fato, o que isso significava. Com a pandemia, fomos todos arremessados para o olho do furacão, e tivemos que aprender “na marra” sobre como lidar com a complexidade e a incerteza.
Passados mais de três anos do fim da pandemia, enfrentamos inúmeros desafios atualmente, tais como tarifaço, instabilidade política, impactos nos negócios com a IA, mudanças climáticas, desafios econômicos e expectativas diferentes das novas gerações para o mercado de trabalho, apenas para citar alguns temas relevantes.
Um artigo recente da McKinsey me trouxe uma reflexão importante: CEOs precisam ir além da sua própria sucessão, bem como a de seus diretos, entrando também na formação da próxima geração de líderes nas empresas.
Pessoalmente, discordo do termo “fábrica de talentos”, por soar mecanicista e quase paradoxal quando pensamos em pessoas e talentos. Mas a ideia de um olhar mais ampliado e sistêmico sobre os líderes do amanhã merece a leitura.
O primeiro ponto é sobre um erro crasso cometido por muitas empresas: delegar este assunto como um “tema do RH”. CEOs e diretores precisam estar envolvidos nesta frente estratégica, trazendo um olhar ambidestro de curto e longo prazo.
Outro aspecto importante é a identificação dos chamados high-potentials dentro das organizações. Com o devido acompanhamento, desenvolvimento e suporte dos talentos, pensando em oportunidades futuras. Um bom exemplo, citado no artigo, é o da Nvidia, no qual o CEO da empresa, Jensen Huang, não traz apenas seus diretos para reuniões estratégicas, mas também dá espaço para novos talentos participarem e entrarem no radar da alta liderança.
A abordagem sugerida é o estímulo para o desenvolvimento de competências importantes para as lideranças do futuro, tais como resiliência e otimismo, experiência com erros e fracasso, fomento à iniciativa, protagonismo e tomada de riscos (incluindo aqui o desafio à hierarquia). Outro tema muito relevante é o aprendizado sobre a importância de “pedir ajuda”, algo desafiador para muitos, cujos perfis foram ou estão sendo forjados na escola insustentável de formação de líderes “Super-Homens” e “Mulheres-Maravilha”.
Mas trago aqui um contraponto pessoal importante, ampliando a perspectiva sobre os líderes do amanhã, com base na armadilha da identificação de high-potentials, bem apontada por diversos autores, pelos riscos inerentes aos processos de avaliação de potencial.
Adam Grant afirma que, ao fazermos o assessment do potencial de uma pessoa, cometemos um erro crasso ao focar somente nas habilidades percebidas e na trajetória vivida. Julgamos as pessoas somente pelas conquistas atingidas, buscando detectar traços de excelência sem considerar que todos podem estar no processo de atingir tal patamar.
Rosabeth Kanter, pesquisadora de Harvard, provoca de forma contundente que “…os ungidos – aqueles com alto desempenho e que sobem rapidamente nas hierarquias – recebem pelo menos parte de suas “asas” pelo desejo dos avaliadores de observá-los como vencedores. Já outros permanecem despercebidos, com pacotes invisíveis de potencial que ninguém se preocupa em olhar. Ou então recebem olhares superficiais, são vistos como “mortos” e, a partir daí, ficam presos em cargos que não lhes oferecem oportunidade de demonstrar qualquer novo potencial”.
Diversos estudos atuais de pesquisa em psicologia organizacional e gestão apontam que as avaliações de desempenho muitas vezes revelam mais sobre o avaliador do que sobre a pessoa avaliada. Um bom exemplo é o “efeito do avaliador idiossincrático”, no qual estudos mostraram até 60% de variância nas avaliações de desempenho por conta das características individuais, crenças e vieses do avaliador, e sem relação comprovada com o desempenho real do colaborador.
Então, o que de fato podemos fazer para identificar e desenvolver os líderes do amanhã? Uma boa prática são feedbacks de múltiplos avaliadores (formato 360°) para diluir o viés individual. Importante também estabelecer métricas objetivas de desempenho atreladas a resultados, não a percepções. Além disso, conversas de acompanhamento e coaching, ao invés de avaliações anuais.
Complexidade demanda flexibilidade. O que se aplica à maneira como identificamos e desenvolvemos os líderes do amanhã.
Um artigo originalmente publicado por André Caldeira.
 
         
         
      